“Médicos pela Vida” são diretamente ligados a grupo empresarial que produz ivermectina
O “movimento” Médicos Pela Vida ficou famoso por ter lançado uma nota publicitária em mais de dez jornais no Brasil divulgando o “tratamento precoce” e um curso para médicos que quisessem se atualizar sobre o tema. Quem pagou? Não sei, mas no curso se respondeu outra pergunta: quem criou a plataforma do site e a base de dados?
Carlos Trindade, reitor da UniAlfa e CIO do Grupo José Alves, foi responsável pela parte em que se ensinou aos médicos como entrar na plataforma e diz com todas as letras que foram eles que criaram e atualmente administram a plataforma usando dados fornecidos pelo Conselho Federal de Medicina. Abaixo o vídeo completo em que Antônio Jordão, liderança do Médicos Pela Vida, fala que o site está assim “graças a ajuda de vocês” e Trindade responde se colocando como reitor da UniAlfa e CIO do Grupo José Alves. Ele também afirma que “foi montado um grupo dedicado (nosso) de suporte para os médicos”.
Conflito de interesses
Acontece que o grupo José Alves é um grupo empresarial que não é responsável apenas pela UniAlfa — um de seus grupos educacionais. Como é dito no seu site, desde 1977 esse grupo tem o seu setor farmacêutico que é a Vitamedic. Pra quem não lembra, a Vitamedic foi a empresa brasileira que lançou uma nota rebatendo a Merck quando esta se manifestou dizendo que a Ivermectina não era eficaz contra a COVID-19. Acontece que a Vitamedic produz e vende ivermectina. Não apenas isso. Mas trata-se do seu produto mais lucrativo em 2020.
A venda do vermífugo ivermectina saltou de R$ 44,4 milhões em 2019 para R$ 409 milhões no ano passado, alta de 829%. De acordo com a Valor Econômico: ““Segundo dados da consultoria IQIA, obtidos pela reportagem, a receita total da empresa (incluindo os descontos concedidos no varejo) cresceu 202,9% em 2020, para R$ 421,7 milhões, impulsionados pelo ivermectina”
De acordo com dados da mesma reportagem, o grupo José Alves fatura normalmente R$2 bilhões. A venda da ivermectina representou um aumento de 10% no faturamento do grupo empresarial em 2020.
Influência junto a prefeituras
Em julho de 2020, no canal da Unialfa e organizado pela Adial Brasil e pelo fórum Democrativa se encontra uma live com o título “Tratamento precoce do COVID-19 como forma para acabar com a quarentena”. Contando com a participação dos médicos Anthony Wong e Lucy Kerr, várias entidades empresariais, alguns prefeitos da região metropolitana e do próprio José Alves, a live foi um espaço para pensar a disseminação do tratamento precoce entre empresários e municípios.
Em Goiás o “tratamento precoce” também foi bastante popularizado — entre a população chegou a causar uma inflação de preços multada pelo PROCON.
As falas de José Alves são bem relevantes para entender qual foi a ideia desse grupo empresarial em relação a influência das prefeituras. Transcrevo um pouco da sua fala abaixo:
José Alves: Precisamos do apoio do dr.Anthony e dra.Lucy Kerr para que possamos encontrar um protocolo de tratamento precoce consensual entre os municípios e pudéssemos iniciar o trabalho entre a população dentro daqueles princípios por vocês.
Operacionalizar o mais rápido possível esse protocolo de tratamento precoce e com isso nós consigamos ter uma população melhor atendida para que os governantes dos municípios se sintam mais a vontade e para que o nosso governador se sinta mais a vontade. E que nós possamos repetir as boas experiências no Pará, em Porto Feliz e com isso a cada dez dias a gente esteja lançando um novo conjunto de municípios dentro desse mesmo princípio até que alcancemos Goiás e mesmo o Brasil.
O MPF entrou com uma ação essa semana questionando estado e Goiânia pelo novo lockdown abordando exatamente a aplicação do tratamento precoce. Dizendo que o município devia ter trabalhado nesse sentido. Darrot me disse que tava praticamente pronto. Robert Lades me disse a mesma coisa. Adib Elias me disse a mesma coisa.
Faz uma explicação reproduzindo o que os médicos falam do protocolo. Sérgio Bayó que a UNIMED nos ajude buscando a experiência lá no Pará que possa orientar os secretários nos municípios. Empresários líderes nos municípios. Conversamos com eles antes das lives: nós empresários possamos dar um suporte pros prefeitos em alguns pontos de medicamentos que estejam faltando, contatos com a indústria farmacêutica.
(…) Mantendo a saúde pública e a saúde econômica.
Prefeituras que aderiram aqui e acolá
Dos prefeitos citados na live por José Alves, Morrinhos foi uma das cidades que aderiu ao tratamento precoce. Ano passado no portal da prefeitura tem uma notícia de uma parceria entre a Unialfa e a prefeitura para monitorar tratamento precoce e esse ano entrevistei o secretário de saúde que me afirmou que continua havendo distribuição de ivermectina e vitamina D para os pacientes da cidade.
Trindade aplicou o protocolo ano passado e nesse ano tem um Centro de Enfrentamento de COVID em que é oferecido o protocolo de tratamento para pacientes positivados. No dia 4 de abril, o secretário de saúde me contou: “Do dia 3 até ontem 1300 pessoas foram testados, todas elas receberam o tratamento precoce (rápido após a doença), só um deles foi pra internação, nenhum deles foi pra UTI”.
Hoje existe uma espécie de consenso que trata-se de uma questão de “autonomia médica”, então ficou mais difícil de mapear. Mas ano passado Paranaguá (PR) comprou 852 mil caixas de ivermectina da Vitamedic no valor de alguns milhões de reais. Itajaí gastou cerca de R$4 milhões de reais com ivermectina pra distribuir pra toda sua população.
Entrei em contato com o Grupo José Alves por e-mail perguntando sobre as relações do Grupo com o Médicos Pela Vida, mas não houve resposta até o fechamento da reportagem.
Essa reportagem é a primeira parte de uma série. Na próxima, falarei do movimento dos médicos e como eles são envolvidos e são importantes para a estratégia do lobby desse e de outros medicamentos envolvidos no “tratamento precoce”.