CACIQUES E ÍNDIOS, ÍNDIOS CACIQUES, CACIQUES…

Victor Hugo Viegas Silva
4 min readOct 16, 2020

O TRABALHO DE BASE EM 2013 EM GOIÂNIA

Janeiro de 2018

No conjunto da esquerda muito se fala de “trabalho de base”. É um termo nebuloso, que confunde coisas muito diferentes. Essas coisas normalmente se inspiram em coisas que variam desde o trabalho de organização de células partidárias hierarquizadas até um trabalho de “conscientização” inspirado nas Comunidades Eclesiais de Base (CEB) da Igreja Católica — que combinavam organização horizontal com a religiosidade popular.

Em Goiânia, por algum motivo, trabalho de base virou “panfletagem em feira e terminal de ônibus” dentro de uma acepção genérica de “diálogo com a população”. No máximo uma panfletagem em escola. Esse é um modelo que parece de alguma forma torta também inspirado em 2013. Mas o que se esquece nos debates é que esse tipo de ação era uma parte mínima ou uma consequência de um trabalho anterior.

Pensando nisso cheguei à conclusão que talvez tivéssemos criado uma modalidade específica de “trabalho de base” que nunca chegamos a formular. Porque misturava influências diversas e se combinava com trabalhos anteriores de organizações muito diferentes.

Pensei que poderia ser uma boa falar um pouco por alto desse tipo de trabalho pra dar ideias pra essa turma nova que vai lutar contra o aumento agora.

AGITAÇÃO — ORGANIZAÇÃO

Um grupo (que hoje vejo ser muito restrito) via toda agitação como oportunidade de criar organização. Nas panfletagens em portas de escola, por exemplo, para divulgar uma manifestação, tentávamos conseguir contatos (telefone e e-mail, na lata mesmo) dos estudantes que conversavam um pouco mais pra ver se eles topavam puxar um bonde pra manifestação. Depois iria alguém ajudar essa pessoa a montar o bonde e convidar todo mundo a curtir a página da frente de luta e participar das reuniões abertas. Isso abriria portas para realizar atividades de debate sobre transporte, por exemplo. As vezes isso era feito no processo mesmo: panfletagem de manhã cedo, roda de conversa tentando articular um grupo na hora da saída da escola. Em algumas escolas onde havia trabalho mais consolidado chegamos a realizar reuniões “gerais” (isto é, do conjunto dos militantes da luta contra o aumento) naquela localidade para tentar vincular mais pessoas daquela escola à organização.

Alguém chegava na página porque queria panfletar no seu terminal. Entrávamos em contato com a pessoa passando o panfleto, trocando ideia, tentando a chamar pra reunião aberta. Se não desse, ia alguém atrás dessa pessoa pra tentar ver o que rolava de fazer na região ou na escola dela.

Nas manifestações, as assembleias de início e final de ato eram oportunidades excelentes pra tentar vincular as pessoas à luta. Tentávamos tirar (decidir naquele espaço) ações simples e fáceis de serem realizadas como colar cartazes na cidade, trazer mais cinco pessoas, fazer uma roda de conversa na tua escola e a data da próxima manifestação, por exemplo, porque participando da decisão da data da manifestação a pessoa se sentia mais comprometida com a mobilização para o próximo ato.

Dessa forma a “massa desorganizada” convocada de forma fragmentada ia ganhando um corpo social.

Houve uma manifestação que fizemos, na hora, um abaixo assinado contra o aumento da passagem pra tentar conseguir o apoio da população e vinculá-la ao protesto que estava acontecendo próximo. Antes de um protesto em um terminal, por exemplo, algumas pessoas passaram lá conversando e perguntando quais eram as linhas mais problemáticas, que soluções eles teriam pros problemas locais, pra saber o que falar na hora de chegar no lugar em forma de manifestação.

Isso porque a manifestação não era um fim em si mesmo — para alguns de nós o protesto era pra ser um momento dentro um processo mais profundo de organização popular contra as empresas e contra o Estado.

Vejam, então, o seguinte: todas essas ações meio agitativas, meio organizativas, pressupunham um contato com continuidade, tarefas e decisões a serem compartilhadas com as pessoas que ainda não estavam junto com a gente, objetivos claros que vão ser objeto de debate e polêmica pra todos com quem conversamos. Todas essas ações requerem uma disciplina mínima, uma abertura pra construção coletiva e uma consciência dos objetivos e métodos da luta.

A reunião do conjunto dos militantes e as manifestações que fazem algum sentido e mostram força real de transformação eram resultado disso. É esse tipo de prática de envolvimento das pessoas que fazia com que nos diferenciássemos dos burocratas e não o fato de nos declararmos muito puros diante dos impuros que escolheram se filiar em alguma organização.

Por isso, está do lado de cá quem quer construir a massificação cada mais democrática do movimento em profundidade, independente da ideologia que proclame. Do lado de lá estão os que querem se afirmar como uma elite conhecedora da verdade além da população passiva, seja lá o nome que se chame: empresário, comunista, “autônomo”, não importa.

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